no final, tudo dá certo. começou a fazer frio enquanto nós trocávamos palavras e eu emendava um cigarro que findava acendendo um outro, me perdendo devagar no que você falava, sempre querendo estar mais perto. peguei a primeira blusa que vi na minha frente e vesti. o lugar começou a encher rápido demais e você sequer se movia. algo te manteve estática - não sei dizer se nosso sincronismo foi o responsável pela completa falta de reação. o sol já desaparecia por detrás dos prédios e seus olhos brilhavam, indo do menor brilho enquanto você se lamentava, ao maior enquanto você se empolgava e mergulhava de cabeça no que acontecia, em quem chegava, em quem passava e no que eu dizia, ainda que fosse bobo demais. mesmo que não estivéssemos estado ali, penso que em qualquer outra circunstância, eu não precisaria de nada mais. tudo que partia de você sempre pousou nos meus ombros da maneira mais singela e carinhosa possível. e pra mim, nem o brilho no seus olhos, nem a espontaneidade do seu sorriso me pareciam ter envelhecido ou se desgastado nenhum ano a mais.
sexta-feira, 29 de março de 2013
quinta-feira, 28 de março de 2013
jerks
nossas reuniões já me eram muito estranhas. passaram de um casamento em terras paranaenses á festas de crianças nas quais bebi demais por me sentir terrivelmente desconfortável. nós não éramos e nunca fomos sequer amigos. reclinei no banco de madeira debaixo de garoa, enquanto os três conversavam sobre assuntos totalmente supérfluos. meu primo mais novo me olhava de lado desaprovando o que o irmão dele insistia em discursar. o outro, ouvia e concordava cegamente com o discurso do fanfarrão que enrolava a língua enquanto falava sobre aminoácidos, tentando injetar doses de sabedoria falsa ao assunto. nós quatro nos tornamos pessoas totalmente diferentes uns dos outros. nos tornamos protótipos de pessoas facilmente diferenciáveis e identificáveis. tomamos rumos diferentes e propusemos prioridades descompassadas às nossas vidas. nós quatro seguimos sonhos cegamente por vias desiguais. me esforcei ao máximo pra não soltar a pitada de rancor presa à minha garganta enquanto falava. família não se escolhe. e por mais que nos desgostemos uns dos outros, sentamos no mesmo banco e dividimos as mesmas horas. da esquerda pra direita: um culto, um adolescente, um revoltado-pop e um aspirante á bodybuilder. interrompi os discursos irritantes e introduzi assuntos menos distantes de mim. mesmo assim, os pingos de chuva caindo sob os meus ombros e as rodadas de pizza que iam e vinham me interessavam muito mais.
sexta-feira, 22 de março de 2013
words
as palavras se ausentaram quando eu aquietei na varanda. deixei o mundo de lado e me foquei em toda a falta que eu sinto. em todos os meus mundos que um dia chegaram a ser banhados em tinta rosa. me foquei em pensar no quanto eles estão distantes na memória e tão presentes em todas as decisões que faço. tudo agora parece fazer sentido. e tudo o que ficou e aconteceu entre o abandono de nosso mundo cor-de-rosa e agora me parece um total desperdício de tempo. nada apaga o quanto você faz parte de mim. e eu sempre te disse que nos sempre fomos, sempre somos e sempre seremos nós. e nunca, em hipótese alguma, eu neguei isso.
quinta-feira, 21 de março de 2013
softer cell
por vezes me pego preso entre alternativas sem ao certo saber o que fazer. minha preocupação está jazendo nas coisas que se contradizem: por mais que as novas oportunidades estejam brotando tímidas demais, o céu do meu mundo alterna suas cores e períodos de uma forma assustadoramente rápida. esse descompasso atinge o meu nervo mais profundo. mesmo que eu já não acredite em sinais, minha intuição está rasgando a flor da minha pele, mal podendo esperar a hora de me corromper e inundar tudo o que penso, vejo, toco, falo. a única coisa que me impede de ceder à ela é que os resultados da sua última libertação foram catastróficos demais - me prenderam na cama por dias enquanto eu tentava me recompor, totalmente perplexo, olhando fixamente para o teto por horas a fio. construí um palácio de plástico. não quero olhar pra o que se passa lá fora. pelo menos não nitidamente, até quando eu decidir sair e lidar com seja lá o que tiver se impregnado às minhas paredes. por enquanto, o melhor que posso fazer é arranjar desculpas que me impeçam de ceder. o tempo frio machuca meus quadris. não tenho guarda-chuvas. esqueci de fazer a cópia das chaves de casa. dormi demais. estou com preguiça. estou sem dinheiro. estou com medo. estou com medo de estar certo. estou com medo de estar errado. estou com medo de voltar. eu ainda não estou pronto pra ir.
terça-feira, 19 de março de 2013
is this real
fechei a janela porque fazia frio demais. o quarto escureceu imediatamente enquanto eu manquei de volta pra cama, ainda perdido nas frases que consegui dizer sem pestanejar. por mais que tudo entre nós tenha sido vagamente concluído, eu ainda me sinto preso à aqueles pormenores que sempre nos foram tão significativos. eu sinto o peso dos dias errados assentando no meu ombro durante todas as vezes que tento erguer a cabeça e marchar para frente. meus dedos não estão mais congelados como da última vez, mas as mesmas músicas que os petrificaram com o frio voltam a tocar, começando e terminando religiosamente da mesma forma em que se alternavam. eu já não consigo mais atribuir significados metafísicos a essas coincidências. já sou cético demais para sequer começar a acreditar que elas estejam conspirando para me mostrar algo que não vi. estou completamente consciente do fato de que muito do que aconteceu pode ter escorrido pelos meus dedos sem que eu percebesse, porém, agora, anulo o benefício da dúvida ao assentar em respostas curtas quando me pergunto qual a diferença que isso faz. nenhuma. o cenário inteiro mudou. as paredes do meu quarto já estão pintadas de outra cor, os canos do cais não existem mais e por mais que eu tente me agarrar à alguma lembrança forçando o acontecimento de certos eventos, a minha janela não transpira mais pela manhã. é exaustivo demais permanecer sólido, vivo e respirando quando fantasmas fantasiados de memórias cercam as suas decisões mais corriqueiras e te fazem hesitar. eu acabo os atropelando no caminho, mas isso não os impede de forma alguma de voltar. e quando menos se espera, eles voltam. e eu os recebo com o mesmo carinho de quem reencontra um velho amigo. chego a entortar o canto da boca e ensaiar um sorriso ao notar o regresso dessas neblinas compostas por tantas palavras e por tantos momentos. eu acho que essa talvez seja a verdadeira tradução da solidão - se sentir tão bem em estar tão mal, e estar tão mal por se sentir bem demais.
sexta-feira, 15 de março de 2013
white fields
me sentei na última cadeira e tentei assistir o mundo rodar. mal consegui me lembrar da última vez que parei no tempo. estacionei a visão e deixei os movimentos assumirem-se em borrões que pintavam as cenas de cores que me eram estranhas demais. os cheiros, nauseantes, se misturavam com as palavras que ecoavam e atropelavam-se até se chocarem na parede mais próxima. as frases me soavam sobrepostas e ensaiadas, quando não, ininteligíveis. mergulhei na falta de noção, e fiz da minha percepção do tempo e do espaço uma morada sombria da perdição e do desapego de todos os sentidos. o cômodo me parecia mais profundo e distante, tornando-se cada vez mais frio conforme o tiquetaquear das horas. um sorriso emergiu da neblina de mistério que pairava sobre a mesa da cozinha, me arrastando pra fora daquela aglomeração de mim. em questão de segundos, tudo começou a derreter: as faces, já nítidas mais uma vez, desfiguravam-se conforme minha visão oscilava para frente e para trás, sendo puxada e empurrada na beirada da sacada. me lembro de apertar minhas pernas contra os meus braços num abraço desesperador no canto escuro de um carro que eu mal sabia para onde ia me levar. as luzes pintavam e escureciam minha pele conforme a presença e o cessar dos faróis. e talvez, quem sabe, meu maior erro possa ter sido fechar os olhos forte demais.
quarta-feira, 13 de março de 2013
who can it be now?
sketch:
"me agarrei aos últimos suspiros enquanto esperava o ônibus. a noite começava a cair quando eu olhava o mundo pela janela, perplexo. eu já não sabia o que dizer, mesmo depois de ter passado todo esse tempo ajustando minhas respostas à mil e uma maneiras. tudo em mim silenciou. derreti minhas últimas reclamações no balcão da padaria e fiquei parado ali, esperando poucas respostas. de alguma forma, aquelas horas me fizeram feliz. me larguei aos pedaços na volta pra casa, contando os minutos pra minha vida mudar."
domingo, 10 de março de 2013
crash
tenho alinhado meus dias em órbitas que giram em tornos de pequenas conclusões. a realidade não marca hora e nem dia pra me encontrar. seus gatilhos foram puxados nos momentos mais inoportunos, alternando entre conversas desconfortáveis na cozinha e em longas caminhadas em direção ao terminal rodoviário. a chuva voltara a me queimar depois de tanto tempo desde a última vez. as situações voltaram a se desviar das minhas previsões. eu já posso sentir a dor dos hematomas quando a noite cai, justamente como da última vez. a sacada voltou a ser minha morada e minha válvula de escape. já não suporto festas, reuniões, salas de estar. não consigo mais sustentar imagens ou seguir projeções. as cenas que eu costumava montar na minha cabeça perderam a cor e vão noite após noite perdendo a nitidez. estou levando socos muito mais fortes do que eu costumava suportar. desvio o olhar rápido demais da caixa em que guardo meus antigos remédios. eu não quero voltar a dopar minhas percepções e a amenizar covardemente minha suposta invulnerabilidade ao ter que baixar a guarda. eu quero voltar a guerrilhar pelo que é meu, usando nada além do que sou. mas algo me diz que já é tarde demais pra voltar para o campo de batalha. tracei uma linha que implicou na criação de uma distância metafísica entre o que sou e como estou. já posso sentir o cheiro dos meus mecanismos sendo queimados há quilômetros de distância de onde estou. já me sinto nulo mais uma vez. já não sei quem sou, uma vez mais.
segunda-feira, 4 de março de 2013
the pirate's roar!
eu sabia que eu pertencia aqui e a mais nenhum lugar no mundo inteiro. essa é a minha casa: as luzes do cais ainda são minhas quando a noite cai, as rotas que tracei durante incontáveis madrugadas correm pelas minhas veias e esquentam o meu sangue ao saber que é aqui é o lugar onde devo estar. essa é a minha cidade: eu sou o dono incontestável de tantas sacadas e conheço com a palma da minha mão cada uma dessas praças. sei nomear todos os bares e já passei por dentro de todos os ônibus que circulam por essas ruas. aqui estão todas as pessoas que eu amo. este lugar é além de tudo a tradução máxima quem eu sou. as avenidas cochicham meu nome em segredo. todos os bancos em cada esquina já dividiram comigo o seu espaço. já decorei todos os tons nos quais contrastam os cheiros de orvalho pela manhã. eu respiro as nuvens que desabam em todos os finais de tardes cinzas. e agora, eu sou a pessoa mais feliz deste mundo por poder ficar aqui. eu sou a pessoa mais feliz do mundo por poder ficar.
sexta-feira, 1 de março de 2013
the wall
eu estou esgotando as minhas últimas chances ao gastar a maioria do meu tempo esvaziando a mente. estou tentando me livrar de anos de acúmulo mental, e de decepções subsequentes. estou tentando limpar a consciência de um milhão de escolhas erradas que fiz. já não tenho os números que não me interessam mais, e já não visito os lugares que não mais pertenço. declarei por encerradas as minhas desventuras em mares turbulentos e horas cumpridas por tabela em atmosferas tão distantes da minha. posso enfim, retornar ao meu casulo e remoer todas as cenas e as palavras que eu julgar como necessárias ao entendimento da minha complexa e antiga realidade. enquanto os navios de todos os meus amigos partem em direção ao alto mar, eu retorno à costa, me atracando a ninguém além de mim.
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