a felicidade congelava minhas veias quando ela aparecia no meio da minha rotina de trabalho, me fazendo revirar o tempo e parar tudo o que estava fazendo, me atraindo como um ímã para a parte de fora do prédio. tínhamos um lugar favorito para passar o tempo, afastado dos bancos em que as pessoas se reuniam na volta do almoço. eram duas pequenas pilastras que nos serviam como assentos. sentávamos juntos, e ela, estranhamente, sempre ocupava o lado direito. eu poderia fumar um maço inteiro de cigarros enquanto discorríamos sobre qualquer coisa que estivesse acontecendo, mas dávamos voltas inevitáveis em torno do mesmo impasse: ela nunca sabia o que fazer com a sua vida e eu sabia exatamente o que deveria ser feito com a minha. essas perspectivas sempre foram muito particulares, e nunca se estendiam de mim para ela, ou dela para mim. porém, cada uma dessas realidades diferentes que nos circundavam acabavam se complementando, orquestradas pelas qualidades e defeitos de cada uma delas. enquanto a perspectiva dela a deixava aberta ás surpresas, a minha traçava linhas extremamente calculadas pelo fluxo do tempo. sempre fiquei maravilhado pelo modo com o que ela acumulava os acontecimentos em pilhas e os retorcia, fazendo-os ceder ás suas necessidades, mais cedo ou mais tarde. ela parecia igualmente impressionada pelo meu método indecifrável de voltar-me ao lado menos óbvio das coisas e ainda sim arquitetar a realidade de maneira plausível e racional. penso que fomos eternos antônimos mas ainda sim, infinitamente semelhantes. eclipsávamos juntos em danças perigosas e fizemos de tudo o que tinha de ser feito à nossa maneira, que não era nem certa nem errada, mas guardava todo seu esplendor no fato de ter sido apenas nossa. e apesar de qualquer rachadura que tenha se instalado entre nós com o tempo, sinto que ela ainda é uma parte inegável de mim, que parte num mundo que não é o meu para que quando nos reunirmos possamos sintetizar o que foi visto por cada um numa metáfora indiscutivelmente nossa, como sempre fizemos em todo esse tempo juntos, mesmo estando separados por incontáveis atmosferas de distância.
sábado, 26 de janeiro de 2013
quinta-feira, 24 de janeiro de 2013
kerosene
eu entrei no seu quarto rápido demais. dominado pelo sono, você lutou em vão contra a sua reação automática de esboçar alguma surpresa, antes que eu começasse repentinamente a espalhar palavras por entre os seus lençóis. eu te falei tudo sobre como o que havia entre nós havia sido destruído e você ouvia atônito a todos os fins das minhas frases, que amarravam-se umas às outras em conclusões incertas. a névoa de atordoamento espalhou-se e tomou conta de todo o cômodo, freando meu incessável fluxo de explicações. e foi justamente ali, quando meus lábios cerraram por mais tempo do que eu havia planejado, que você começou a tecer a sua própria linha de pensamento sobre como tudo havia acontecido, baseando-se nas percepções válidas do que aconteceu a partir do seu ponto de vista. eu ainda sentia que estávamos longe demais um do outro ao retornar ao meu posto no rodapé da porta, hesitando ao recomeçar a falar. mas mesmo com a cena tomada pela escuridão, consegui capturar seu olhar ansioso que chicoteava a densidade do quarto e vinha em minha direção. você esperava alguma conclusão lúcida sobre o mar de pensamentos teus que acabava de ser despejado sobre mim, me nocauteando com o espanto de ter em minha frente a mesma situação analisada validamente sob uma perspectiva que não era a minha. me aproximei da cama calmamente e sentei ao seu lado, ainda imobilizado pelo seu olhar que perdia força com o dissipar dos segundos. senti os abismos que separavam nossos centímetros de distância despertarem um anseio horrível que percorreu as veias do meu braço enquanto eu o esticava em sua direção, enquanto eu ia invalidando o impacto de todas as coisas que se colocaram entre nós por todos os meses anteriores. e naquele súbito momento de quebra do que havia entre nós, nos separando e nos mantendo tão longe um do outro, você começou a decifrar todo o simbolismo do meu ato, e entendeu toda a metáfora quando minha mão finalmente repousou sobre o seu ombro. seus olhos percorreram o chão rapidamente e voltaram-se a mim, totalmente compelidos por alguma mistura de compaixão e alívio. e foi ali, naquele exato momento, que você finalmente entendeu que nada além de nós importava mais.
quarta-feira, 23 de janeiro de 2013
½
estou acordando tarde demais, porém sei que sequer devia acordar. nada faz mais sentido: talvez eu não fui rápido o bastante pra acompanhar as mudanças ou simplesmente tenham me deixado pra trás. ainda consigo descrever todos os momentos e todos os seus detalhes, e agora sinto que os guardo sem mais nem menos, por puro saudosismo ou insistência em permanecer perspicaz quanto a tudo que vivemos. ainda acredito veemente que nada disso está acontecendo. acredito que possa ser um mero erro de comunicação, ou uma desarticulação no tempo. mesmo assim, sou forçado a concluir esta noite que talvez eu não precise de muito, mas sinto que não tenho nada mais.
segunda-feira, 21 de janeiro de 2013
it's just what I imagined
eu já sabia que as coisas iam ser assim, mas por alguma maneira eu não conseguia acreditar nos alertas que me foram dados. hoje vivo rotinas em que tenho que sair na hora exata em que você chega. a vida dá reviravoltas impressionantes, e de uma maneira ou outra eu acabei te perdendo no meio de uma delas. me despreguei dos apegos e estou atado às minhas últimas chances de poder voltar a ser quem eu sou. frequentei todos os lugares errados e desperdicei palavras demais, quase que inconsciente pelo vício que tornaram-se nossas histórias. eu sei que eu tenho muitos defeitos, mas os seus sobrepuseram os meus de uma maneira totalmente covarde, me deixando atordoado pelos seus métodos quase que cruéis de lidar com qualquer problema. te desejo boa sorte ao seguir o teu rumo. pois agora que já te arranquei de mim, pretendo continuar sozinho e sem olhar par trás.
sexta-feira, 18 de janeiro de 2013
I think it's strange you never knew
e o resto de mim que escorreu na varanda, manchando o chão nessas madrugadas cinzas, permaneceu longe demais de qualquer outra possibilidade a não ser a total desconsideração da minha sanidade. talvez seja exatamente isso que eu precise agora. estou sedento de perdição. quero voltar a ser quem eu era antes. despertar os furacões que dormem no meu interior, até porque, a calmaria nunca foi o bastante pra mim.
quinta-feira, 17 de janeiro de 2013
shocked
não havia nenhuma parede sequer que não estivesse preenchida. os porta-retratos guardavam exibições altruístas e eu senti o que restou do cheiro de doença pela casa toda. construíam um império enquanto eu cuidava da minha vida e eu sequer lembrava de como tudo me parecia errado antigamente. abracei o escuro como um antigo conhecido e fumei um cigarro, feliz por estar acompanhado da escada sombria que levava ao quintal. todas as luzes, as plantas, o som do transbordar da água num poço artificial e uma infinidade de pílulas que entupiam os armários da cozinha me levaram aos antigos lugares esquizofrênicos dentro de mim e eu mal podia esperar pra voltar a me encharcar com a minha realidade outra vez. tirei a seringa do meu braço rápido demais e, quase que sem pensar, dei o primeiro passo pra fora de mim, pra fora daquilo, pra fora de todas as impressões que pintaram aquele lugar com cores extremamente macabras há anos atrás. eu espero que dessa vez as coisas andem da maneira apropriada, mas mesmo depois de ter passado tanto tempo longe de tudo aquilo, eu sinto que eu preciso de mais. preciso de mais tempo pra me desintoxicar de toda a sujeira, de todas as mentiras, de todas as más recordações. deixei de lado a necessidade de drenar meu ódio e recomeçar, e talvez agora seja a hora de retomá-la. mas minha prudência me diz que não, e a partir de agora toda a cautela ainda é pouco. tenho medo de que a guerra que eu havia declarado como acabada tenha apenas me dado uma singela trégua. minhas esperanças olham para o lado contrário. mas de qualquer forma, eu ainda estou preparado pra lutar.
quinta-feira, 10 de janeiro de 2013
nothing compares to you
estou preso na metade de dois dias, esperando no mesmo lugar em que me despedi. transformei as cenas seguintes em fiapos e enquanto a janela do carro me parecia escura demais pude perceber que a minha visão foi ficando turva, tentando inutilmente regressar algumas horas. é como se minha mente estivesse estado pronta pra este momento o tempo todo, mas alguma razão a desligou de seu indiscutível propósito e eu tive que te deixar ir. tive que despregar sua ausência dos cômodos e controlar a impaciência de não poder ouvir a sua voz. e te vi em pequenos delírios: saindo por portas de prédios escuros, sentado ao meu lado na varanda vendo a neblina que, por ser tão corriqueira, tornou-se parte de quem nós costumávamos ser. desde o minuto em que você saiu daquele carro todas as coisas simplesmente se tornaram obsoletas por um período de tempo assustadoramente longo, deixando o rastro da certeza de que eu estava redondamente enganado quando tentei me convencer de que a dor da falta era apenas uma questão de costume. talvez o seu regresso possa cessar essa estranha agonia, mas agora as coisas não se resolvem mais no simples ato de voltar. traga consigo o nosso passado em sua mala e me entregue enrolado numa fita azul todos os momentos que não pudemos ter. e eu estarei aqui, estagnado nas horas, minutos e segundos que te levaram de mim.
domingo, 6 de janeiro de 2013
the socialites
excluo-me de um meio que nunca fui parte por alguns momentos. enquanto as linhas vagas são traçadas, reclino-me no meu universo e vejo os membros dessas conspirações profetizando conceitos fúteis e perdendo tempo, tentando se inserir em realidades a que acreditam pertencer, andando lado a lado com seus discípulos iludidos e desesperados para adentrar atmosferas estilizadas de acordo com o belo, com a promessa de poder, com o dinheiro e cujo único preceito é o prazer à todo custo. meus olhos ardem quando os analiso demais, e não posso evitar que o único sentimento que posso demonstrar através do meu olhar é o total desprezo. negligencio toda a beleza da superfície pra dizer sem nenhuma dúvida de que nada vai além daquilo. nada é verdadeiro ou vale a pena se conservar, se desgastar - seus ideais sequer são acreditáveis. despeço-me dessas novas elites, torcendo para que um ou outro, num futuro não tão distante, veja que a vida é mais que isso.
sábado, 5 de janeiro de 2013
1991
você deu as cartas, e o que mais me restaria a fazer senão aceitar o novo fluxo de prioridades, os novos compromissos, uma nova realidade em que eu me ausento sem ao menos pestanejar? eu cansei de lutar. perdi meses por investir em nós e sequer me dei conta do que estava deixando pra trás. não estou pedindo que me devolva o que perdi, tão pouco espero que você enxergue tudo o que abri mão de ter. não peço que você volte. o que eu quero ainda não se materializou dentro de mim porque minha vida teve que paralisar pela ação de forças maiores. talvez agora seja diferente, mas um diferente infinitamente melhor. agora eu tenho um sonho, uma direção. deixei nossa vida de desculpas e coincidências infelizes para trás. agora, ao procurar alguém para dar as mãos, eu volto pra dentro de mim, e procuro nas formas das quais existo a segurança e companhia que necessito. ser inconstante e inseguro me assegurou um par perfeito de características que me sustentam, me alimentam e me afastam do tédio, da desesperança e de qualquer outro sentimento que você nunca conseguiu me poupar. estamos juntos, mas dessa vez ninguém está acima de ninguém. nossa trégua nos colocou exatamente no mesmo impasse e nossa resposta foi mútua, fazendo de nós finalmente iguais. explodiremos o passado se for o mais prudente a se fazer. dessa vez estou protegido de qualquer escombro que possa voltar a desabar sobre mim.
quinta-feira, 3 de janeiro de 2013
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